Enquanto aliados de João Doria (PSDB) diziam que seu recuo eleitoral com a intenção de obter apoio explícito de seu partido foi um xeque-mate, o grupo ligado ao ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite (PSDB) mantém o plano de alçá-lo candidato à Presidência.
Parte do PSDB considera ainda que a candidatura de Doria sai fragilizada do vaivém desta quinta (31), quando ele desistiu de um plano anunciado horas antes a aliados, renunciou ao Governo de São Paulo e manteve seu nome na disputa ao Planalto. O agora ex-governador disse a jornalistas que tudo se tratou apenas de “estratégia”.
Ao anunciar na quarta-feira (30) a seu vice, Rodrigo Garcia (PSDB), que não iria renunciar ao governo nem disputar a eleição presidencial, Doria mobilizou uma série de aliados, que buscaram demovê-lo da desistência.
O principal gesto veio do presidente do PSDB, Bruno Araújo, que reafirmou em carta que Doria, como vencedor das prévias, é o único candidato do partido. Doria afirmou que o texto foi decisivo para que ele mantivesse a candidatura e renunciasse ao Palácio dos Bandeirantes.
Líderes do partido, no entanto, minimizam o que aliados de Doria tentam difundir como uma vitória política. A carta, ressaltam, não vai além das garantias que o tucano já tinha -de que venceu as prévias e é o indicado do partido.
Na avaliação de parte dos tucanos, em vez de barrar de vez as pretensões presidenciáveis de Eduardo Leite, Doria esteve a ponto de jogar a candidatura no colo do rival e, assim, o favoreceu, diante da instabilidade provocada com seu vaivém.
O gaúcho também renunciou para se liberar para o Planalto e disse se ver em condições de alcançá-lo.
O entorno de Leite afirma que nada mudou e que o gaúcho vai a Brasília buscar apoio dentro e fora do partido para sua empreitada. O próprio ex-governador gaúcho afirmou o mesmo a jornalistas nesta quinta.
“Eu não tenho nenhum movimento de deslegitimação das prévias, sempre disse que as prévias têm legitimidades, isso não muda absolutamente nada. Os episódios que aconteceram hoje, as especulações feitas, não mudam absolutamente nada.”
Deputados e dirigentes do PSDB que apoiam Doria, por outro lado, dizem que a carta liquidou os planos de Leite, perdedor das prévias, de passar por cima da disputa interna e virar o candidato do partido na convenção, em julho ou agosto.
Para tucanos de fora de São Paulo, a jogada teve múltiplos efeitos negativos. Primeiro, Doria deixou o governo diminuído. A desistência seria um sinal público da sua inviabilidade eleitoral, uma admissão do receio de que não fosse escolhido candidato da terceira via.
Em segundo lugar, colocou em situação de incerteza e caos vários políticos de siglas aliadas, que costuravam acordos e palanques contando com a candidatura de Doria. Isso vale para Rodrigo Garcia, braço direito de Doria no governo, que viu o recuo como traição.
A desistência poderia implodir o PSDB, uma vez que Rodrigo ficaria sem a máquina para disputar o governo, arriscando que a sigla perdesse sua principal fortaleza, o estado de São Paulo.
Tucanos paulistas mais próximos de Rodrigo do que de Doria afirmam que o ex-governador conseguiu o que queria ao ameaçar ficar no Palácio dos Bandeirantes.
No entanto, afirmam que o gesto deixará cicatrizes, uma vez que o movimento unilateral de Doria reflete em todo seu núcleo político. Apesar dos possíveis rancores, eles dizem que é preciso aparar as arestas e que disso depende o futuro do PSDB hoje.
Pode haver marcas sobretudo na relação entre Doria e Rodrigo. Para o ex-governador não é bom comprar briga com seu sucessor, de quem depende para ter palanque em São Paulo.
Ainda de acordo com tucanos que falam de forma reservada, Doria esperava que MDB e União Brasil endossassem a carta de Araújo, o que não aconteceu.
A questão ainda respingou em Araújo, que, segundo integrantes do PSDB, perdeu apoio na sigla e se tornou alvo de críticas por ter cedido a Doria e escrito a carta. A justificativa é a de que a posição de presidente exigia o compromisso público com as prévias.
Mas aliados de Leite lembraram que foi a ala ligada ao gaúcho que reconduziu Araújo à presidência quando Doria tentou tomá-la para si num jantar, em fevereiro de 2021, que já entrou para a história do partido.
Nesta quinta, após o evento em que se despediu do governo, Doria afirmou que “não houve desistência”.
“Houve sim um planejamento para que pudéssemos ter aquilo que conseguimos, o apoio explícito do PSDB através do seu presidente Bruno Araújo. A carta que ele assinou hoje não deixa nenhuma dúvida. Nem agora nem depois”,
disse.
“Hoje ficou claro através dessa carta que não há golpe, não há nenhuma forma de você negar a existência de prévias e do resultado das prévias. Isso seria admitir que o PSDB se tornou um partido golpista”, acrescentou.
Tucanos fechados com Leite subiram o tom contra Doria, chamando a desistência de forjada. Nada de bom poderia surgir de um movimento de recuo e tensão, dizem eles, alertando para o fato de que Doria ampliou seu desgaste e deu munição a rivais.
Pré-candidato ao Governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que a então possível desistência de Doria da disputa a presidente mostra desorganização, exaurimento e falta de liderança no PSDB.
“Mostra exaurimento de um partido, de um grupo. Mostra que não há uma liderança nessa corrente. Há um vácuo, claramente há um vácuo”,
disse Freitas.
O ex-governador Márcio França (PSB), também pré-candidato ao Governo de São Paulo, comparou João Doria ao ex-presidente Jânio Quadros, que renunciou em 1961 acreditando que a renúncia não seria aceita pelo povo, o que não ocorreu.
O ex-ministro Ciro Gomes, pré-candidato à Presidência pelo PDT, aproveitou a onda de desistências, que incluiu Sergio Moro (União Brasil), e afirmou que não irá desistir de sua candidatura.
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