A possível entrada do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, na corrida presidencial é vista com cautela e uma dose de ceticismo por articuladores da chamada terceira via, que discutem nos bastidores a saída do gaúcho do PSDB rumo ao PSD para disputar o Planalto.
A percepção compartilhada por políticos e dirigentes partidários em conversas com a reportagem sob a condição de anonimato é a de que Leite, caso abrace a empreitada, ainda terá que convencer os demais atores do campo da centro-direita sobre a consistência de sua eventual candidatura.
O segmento que tem como expoentes Sergio Moro (Podemos), João Doria (PSDB), Simone Tebet (MDB) e Luiz Felipe d’Avila (Novo) discute, em meio a diversos problemas, algum tipo de unificação para criar um polo alternativo ao dos favoritos, o ex-presidente Lula (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL).
As ressalvas ao gaúcho vão da pecha de mau perdedor que deve recair sobre ele, derrotado por Doria nas prévias do PSDB, até desconfianças sobre a firmeza de sua candidatura, vista como uma espécie de capricho do presidente do PSD, Gilberto Kassab, unicamente para beneficiar o partido.
Kassab, que até semanas atrás trabalhava com a possibilidade de lançar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é hoje o principal entusiasta e fiador da campanha pró-Leite.
O dirigente, que flerta com Lula e já sinalizou apoio ao petista caso ele vá para o segundo turno contra o atual mandatário, sempre manteve distância segura das negociações da terceira via. Insistindo na candidatura própria, ele evitou se comprometer com a ideia de abrir mão em nome de outro rival.
A principal meta de Kassab para as eleições está em torno das bancadas do PSD no Legislativo. A expectativa é eleger de 60 a 70 deputados federais e se cacifar como uma das principais siglas de centro do país, com peso nas votações do Congresso e poder de barganha com o Executivo.
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, o ex-ministro e fundador da agremiação busca se equilibrar entre os interesses difusos dentro do partido, que abriga simpatizantes de Bolsonaro, de Lula e das teses de candidatura própria ou neutralidade no pleito nacional.
Deputados que endossam os dois atuais líderes das pesquisas disseram publicamente que manterão a decisão se Leite entrar, o que de certa forma era esperado pelo comando do partido.
Já para os que querem se desvencilhar da polarização, a chegada do presidenciável pode ser útil na conquista de eleitores que rechaçam ambos. Por esse cálculo, se o gaúcho não chega a ser um puxador de votos, também não é um empecilho para as campanhas ao Congresso e às Assembleias.
Leite, que pregava a aglutinação do campo de centro-direita enquanto disputava as prévias tucanas, afirmou nesta quarta-feira (16) que não quer “entrar nesse processo para congestionar a terceira via” e reiterou a fala sobre tentativa de convergência.
A impressão entre operadores que já estão nessa pista é a de que o gaúcho será a princípio um “corpo estranho”, que precisará mostrar a que veio. As cúpulas de PSDB, MDB e União Brasil, por exemplo, estão com conversas encaminhadas sobre uma aliança, embora sem muita clareza dos detalhes.
O momento em que o gaúcho se apresenta amplia a chance de isolamento, já que os demais partidos avançaram em acordos para receber parlamentares na janela partidária e formar federações e coligações. Nada impede, contudo, que novos arranjos sejam desenrolados até meados do ano.
Para um aliado de Moro, o governador do Rio Grande do Sul só tem hoje assegurado o apoio de alas do PSD, notadamente às ligadas a Kassab, e o entusiasmo de um setor político e empresarial que antes orbitou o apresentador Luciano Huck (que deixou o páreo em junho) e o senador Pacheco.
Nas palavras desse interlocutor do ex-juiz da Lava Jato, Leite terá extrema dificuldade para angariar apoios nesta fase das costuras, e encarar o certame sozinho é algo comparável ao suicídio.
Para um outro político que integra a linha de frente da terceira via, o gaúcho corre o risco de ser lido pelos adversários como um soldado de Kassab, fadado a ter que declarar apoio a Lula caso o cenário atual das pesquisas se mantenha -o ex-ministro, porém, nega ter acerto prévio com o PT.
Esse mesmo integrante do circuito contesta o discurso de que a entrada de Leite contribuiria para a fragmentação do bloco e diz, com uma ponta de autocrítica, que não se pode “pulverizar as migalhas”, em alusão aos patamares tímidos dos integrantes do grupo nas pesquisas.
Alimentado por Doria e aliados do governador paulista, o rótulo de competidor que não sabe perder é considerado um fator de desgaste perante o eleitorado. Se escolhida como munição a ser explorada na campanha, a tática tem potencial para colar na imagem do candidato e dar trabalho.
Um exemplo sempre lembrado é a fama de traidor que grudou no próprio Doria. Ainda à frente da Prefeitura de São Paulo, ele se movimentou para concorrer à Presidência em 2018, na vaga que o PSDB reservava para seu padrinho político, o então governador Geraldo Alckmin, que deve ser vice de Lula.
A presumida falta de resiliência de Leite pela decisão de mudar de partido após a derrota nas prévias pode acabar sendo relativizada entre os pares, pelo fato de que ele é visto como “um dos nossos”, isto é, um político com experiência suficiente para saber quando fazer concessões ou recuar.
Nesse sentido, o governador poderia conseguir abrir caminhos no grupo, caso desponte como candidato viável. Seu maior desafio, avaliam profissionais do marketing eleitoral, ainda é o de se tornar conhecido nacionalmente. Pesa negativamente o fato de ingressar na corrida por último.
Furar a barreira dos 10% nas pesquisas de intenção de voto e demonstrar alguma expectativa de crescimento são justamente os desafios colocados para o pelotão dos presidenciáveis que miram a fatia da população avessa a Bolsonaro e Lula. Até agora ninguém deslanchou.
Moro, que é quem tem a melhor pontuação (9% no Datafolha de dezembro), enfrenta rejeição considerável no eleitorado e no meio político. O fator é considerado um entrave crucial para a campanha.
O ex-magistrado empacou na montagem de alianças e palanques estaduais e ainda foi tragado pela crise do MBL (Movimento Brasil Livre), com os áudios sexistas de seu até então aliado Arthur do Val (SP). O deputado estadual, que falou que as ucranianas são “fáceis” por serem pobres, deixou o Podemos.
Doria, que desde o debate das prévias se esforça para contornar o estilo açodado e por vezes personalista que afasta potenciais aliados, vê agora o oponente ser alvo de pressões semelhantes.
Uma ala do tucanato tenta convencer Leite a ficar na sigla, apostando na hipótese de que a candidatura do paulista à Presidência não vingue e, com isso, o postulante possa ser trocado.
Mesmo com percalços, o gaúcho ainda é tido como mais conciliador e sensato do que o rival interno.
Como resumiu um aliado íntimo, que recorreu à linguagem do futebol para se referir ao mistério sobre a definição, Leite está com a bola -resta agora saber para que lado ela vai rolar.
Banda B